A Minustah é a mais recente das missões internacionais dos fuzileiros navais brasileiros e uma das mais importantes de sua história bicentenária.
Embora como toda grande missão ela tenha tido os seus desafios e percalços, é consenso que fomos muito bem sucedidos do início ao fim.
Quem teve a honra de servir na Minustah certamente fica com uma experiência inesquecível, daquelas para refletir para o resto da vida.
É dessa comissão que vou falar hoje e você está convidado para me acompanhar até o final.
O que significa a sigla Minustah?
Ainda que se escreva em letras minúsculas por questões textuais, Minustah é uma sigla e, como tal, deve ser escrita em caixa alta. Seu significado, Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, remete ao propósito da iniciativa liderada pela ONU tendo em vista a pacificação de um dos países mais turbulentos das Américas.
O Haiti se localiza no Mar do Caribe, dividindo metade do território da ilha de Hispaniola com a República Dominicana. É o terceiro maior país da América Central insular, atrás apenas de Cuba e da vizinha República Dominicana, com mais 27 mil km2. Ao lado do Canadá, é um dos 2 únicos países das Américas que tem o francês como idioma oficial.
Minustah, o Brasil na missão de paz no Haiti
Com uma população de mais de 10 milhões de habitantes (é o país mais populoso do Caribe), o Haiti esteve desde a sua independência, em 1804, envolvido em conflitos.
Lembrando que o Haiti foi o primeiro país das Américas e talvez do mundo a abolir a escravidão, quando em 1794 decidiu pôr fim ao trabalho forçado.
Prova da instabilidade política frequente no país foi a constante alternância de chefes de estado entre os séculos XIX e XX, quando nada menos que 20 presidentes diferentes assumiram o poder, dos quais 16 foram assassinados ou depostos.
Chegamos então em 2004, quando o país, mergulhado em um conflito generalizado, se viu acossado pelos conflitos entre aliados e opositores do presidente exilado, Jean Bertrand Aristide.
Foi nesse contexto que o então presidente do Supremo Tribunal, Bonifácio Alexandre, assumiu interinamente a presidência, tendo como uma de suas primeiras medidas pedir apoio da ONU para pacificar o país.
Para organizar a missão, a ONU designou o Brasil como país líder das forças de paz, sob o comando do general Augusto Heleno, do Exército, em 1º de junho de 2004.
ONU, Haiti e a Minustah
A decisão da ONU de intervir no Haiti foi baseada na conclusão do seu Conselho de Segurança, que entendeu que a situação no Haiti era uma ameaça para a paz internacional.
A exemplo dos países que sofrem com a instabilidade política permanente, o Haiti é um país extremamente carente, sendo considerado o mais pobre das Américas.
Sendo assim, além de uma missão de paz, a Minustah foi, por muitas das vezes, uma missão humanitária, atuando para minimizar o sofrimento da população necessitada.
Medalha da ONU Minustah
A Minustah foi oficialmente encerrada em 31 de agosto de 2017, depois de 13 anos ininterruptos de participação brasileira.
Por ocasião do retorno das tropas do Exército, Marinha e Aeronáutica, a ONU premiou os militares que participaram do 26º e último contingente com a Medalha das Nações Unidas.
Essa é uma condecoração entregue a todos os militares que tenham participado de uma missão de paz da ONU por 90 dias consecutivos. O último contingente agraciado com a premiação era formado por 969 homens, que receberam a medalha da SRSG da ONU, Susan Page.
A quem cabia o comando da Minustah?
Desde o início, o Brasil liderou a Minustah, cujo comando foi exercido por 11 militares (todos oficiais generais) e dois comandantes interinos chilenos:
Brasil:
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira (setembro de 2004 / agosto de 2005)
- Urano Teixeira da Matta Bacellar (setembro de 2005 / janeiro de 2006)
- José Elito Carvalho Siqueira (janeiro de 2006 / janeiro de 2007)
- Carlos Alberto dos Santos Cruz (janeiro de 2007 / abril de 2009)
- Floriano Peixoto Vieira Neto (abril de 2009 / abril de 2010)
- Luiz Guilherme Paul Cruz (abril de 2010 / março de 2011)
- Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira (março de 2011 / março de 2012)
- Fernando Rodrigues Goulart (março de 2012 / março de 2013)
- Edson Leal Pujol (março de 2013 / março de 2014)
- José Luiz Jaborandy Junior (março de 2014 / agosto de 2015)
- Ajax Porto Pinheiro (outubro de 2015 / outubro de 2017).
Chile:
- Eduardo Aldunate Herman ( janeiro de 2006)
- Jorge Peña Leiva (outubro de 2015).
Dados sobre a Minustah
Ao longo dos 13 anos em que esteve ativa, a Minustah acumulou números expressivos e que evidenciam o sucesso da missão, que, se não acabou, pelo menos mitigou parte dos graves problemas sociais haitianos:
- 5ª missão da ONU no Haiti
- 6.135 militares enviados
- 20 países envolvidos
- 26 contingentes enviados
- 38 baixas (18 delas no terremoto de 2010)
- 52 investigações realizadas
Cabe frisar que os fuzileiros navais do Brasil foram os primeiros a desembarcar no Haiti em 2004, fazendo valer a sua destinação de ser a tropa ponta de lança em missões fora do país.
Eventos mais importantes
Desde que se estabeleceu no Haiti, as forças brasileiras estiveram envolvidas em eventos marcantes para a história do país.
Além do apoio prestado à população haitiana no dia a dia, provendo segurança e até entretenimento em algumas vezes, os brasileiros tiveram sua coragem e preparo postos à prova em situações de grande risco.
Isso porque o Haiti, além de ser um território conflagrado, é assolado frequentemente por catástrofes naturais, como terremotos e furacões.
Veja então alguns dos fatos que marcaram a década em que o Brasil foi o responsável por pacificar o mais populoso país caribenho.
Chegada do primeiro contingente
Com o Haiti em colapso depois da queda do presidente Jean Bertrand Aristide, a ONU decide enviar para o país uma força de paz, liderada pelo Brasil.
Desembarcaram então, em junho de 2004, os primeiros boinas azuis brasileiros, além de militares dos seguintes países:
- Argentina
- Bolívia
- Chile
- Coreia do Sul
- Equador
- Filipinas
- Guatemala
- Japão
- Jordânia
- Nepal
- Paraguai
- Peru
- Sri Lanka
- Uruguai
O objetivo era levar ajuda humanitária e apoiar na reconstrução do país, além de conter o avanço das gangues nas maiores favelas haitianas.
O Jogo da Paz
Em meio ao caos, um alento. No mês de agosto de 2004, foi organizada uma partida amistosa entre as seleções brasileira e haitiana de futebol.
Fica para a história a imagem de mais de um milhão de haitianos nas ruas, saudando os craques Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Nazário em desfile nos blindados da ONU, no trajeto até o estádio.
Nos gramados, vitória brasileira por 6×0, sendo três gols de Ronaldinho Gaúcho, dois de Roger Flores e um de Nilmar.
Ação de pacificação em Cité Soleil
Uma das primeiras incursões dos militares brasileiros em solo haitiano foi na favela Cité Soleil, reduto das gangues mais perigosas do país.
A presença da Minustah foi fundamental para apaziguar a região, na qual vivem mais de meio milhão de pessoas.
Essa ocupação levou ao todo três anos, começando em 2004 e terminando em maio de 2007.
O terremoto de 2010
O povo haitiano sempre suportou grandes provações. Uma delas aconteceu em 2010, quando um terremoto de magnitude 7 na escala Richter arrasou o país.
O saldo foi de 220 mil mortos (dos quais 18 eram militares brasileiros), milhares de feridos e uma nação em escombros.
Por causa dessa catástrofe, a Minustah teve o seu efetivo reforçado, a fim de ajudar nos esforços de rescaldo, ajuda às vítimas e distribuição de alimentos para a população.
Epidemia de cólera
Sendo um país extremamente carente, com 60% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, o Haiti também sempre esteve sujeito a epidemias de doenças que, em outros locais, são consideradas erradicadas.
Uma delas é a cólera, que também em 2010, logo após o terremoto, ceifou outras 4,5 mil vidas haitianas. Além disso, 181 mil haitianos foram diagnosticados com a doença.
Novamente, as forças da Minustah foram postas à prova, acolhendo os enfermos e prestando atendimento médico.
Furacão Matthew
Para encerrar o terrível ciclo de catástrofes, o Haiti seria varrido ainda em 2010 pelo furacão Matthew, o mais devastador em um período de nove anos em todo o Caribe.
O resultado não poderia ser outro: as frágeis casas nas favelas destruídas pelos furiosos ventos de 230 km/h, mais de mil mortes e milhares de desabrigados.
Crise política
Repetindo o ciclo de convulsões sociais que sempre cercaram as eleições no Haiti, em 2016 o país se viu mergulhado em protestos depois dos resultados do primeiro turno.
Em outubro daquele ano, a violência recrudesceu, com grupos armados vinculados a partidos políticos alvejando redutos dos que consideravam opositores. A Minustah fez valer a sua força, tomando conta das ruas para a realização das eleições que confirmaram a vitória de Jouvenel Moïse.
No blog do Curso Maciel, você se informa, avança nos seus estudos e fica por dentro da história militar brasileira. Espero que tenha curtido a leitura!
Esta é a segunda parte de uma série de artigos sobre as missões mais importantes dos fuzileiros navais do Brasil. Confira a parte 1, sobre a Batalha do Riachuelo.